Como foi o início da nudez e do erotismo no cinema mundial

Quando a personagem-título de Carrie: A Estranha, interpretada por Sissy Spacek, ao entrar na fase menstrual, é vítima de bullying pelas colegas durante uma ducha, a repressão sexual que sofria da mãe desencadeia uma vingança telecinética contra seus agressores. Alguns anos antes, essa retaliação chegava ao cinema no primeiro filme de estupro-vingança, The Last House on the Left, de Wes Craven, e ensaiava sua psicologia freudiana em O Exorcista, quando a inocência era perdida ao Regan inserir um crucifixo em sua vagina. Os dois longas estão apresentados num contexto específico: a revolução sexual da década de 60 potencializava a nudez e o erotismo como marcas de liberdade, sem que ao mesmo tempo esquecesse dos perigos dessa independência cultural.

Ainda que o terror tenha sido um grande precursor para o desenvolvimento da legalidade sexual no cinema, com Gritos en la noche, de 1962, mostrando mulheres de topless, a Europa já demonstrava uma flexibilidade para essa abertura natural que permitiu que Luis Buñuel imortalizasse nossa percepção sobre o desejo no clássico A Bela da Tarde e na sua última obra-prima Esse Obscuro Objeto do Desejo, assim como Pasolini entregasse o polêmico Saló ou 120 Dias de Sodoma – filmes mais explícitos que os americanos Faster, Pussycat! Kill! Kill! e A Primeira Noite de um Homem, que buscavam o erotismo na sugestão. 

Sob esta ótica, a Itália embarcava em dramédias românticas muito mais escrachadas (tal qual Antes da Revolução, A Gatinha que Eu Quero, À Procura do Meu Homem, Malícia, O Porteiro da Noite, Atrás dos Muros do Convento e, claro, Último Tango em Paris) que influenciaram a produção underground brasileira, que se originou na Boca do Lixo, em São Paulo. Foi como surgiu o famoso filme de Xuxa Meneghel, Amor Estranho Amor, ou o popular As Sete Vampiras, sem contar as pornochanchadas Dama da Lotação, Os Sete Gatinhos, A Noite das Taras e Oh Rebuceteio. Sônia Braga. Regina Casé e Vera Fischer se tornaram populares na época. A cobiça também era o maior fruto de análise em Perdas e Danos, Instinto Selvagem e Striptease. Boggie Nights adentrava o mundo da exibição sexual, Garotas Selvagens usava a nudez como ferramenta narrativa (quem não aparece nua, não morre), De Olhos Bem Fechados interpretava as possibilidades do fetichismo, algo que Contos Proibidos do Marquês de Sade também trabalhou, ao passo que Ken Park, de Harmony Korine, expôs a experimentação desregrada da juventude.

Nas últimas décadas, Os Sonhadores, Canções de Amor, Azul é a Cor Mais Quente e Um Quarto em Roma ensaiam um período de descobertas, ciúmes e passionalidade. A inesquecível cena de sexo entre Fernanda Torres e Seu Jorge, em Casa de Areia, sublinha um contraponto à solidão extrema. A sombra da repressão, por outro lado, marca sequências de Dente Canino, Ventre, Tatuagem, Ninfomaníaca, A Pele que Habito e demarca psicologicamente O Anticristo. Com o avanço da autonomia sexual que o cinema passou a desenvolver, até mesmo comportamentos como o desejo do filho pela mãe, no ótimo Ma mère, de Christopher Honoré, assumem-se naturais (igual o cinema incorrigível de Claudio Assis, em A Febre do Rato, sustenta sua anarquia na completa nudez de seus personagens, por exemplo). Em consequência, o tempo fez com que o bullying/telecinesia de Carrie empalidecesse frente à fogueira de bruxas nuas, livres e redentoras, em A Bruxa, lançado ano passado. Um caminho de aceitação sintomático e que público e cinema agradecem.

Compartilhe essa notícia

Escrito por:

Antes de ir

Você pode gostar também

Culturalidades

Relembrar para Sempre, William Friedkin (1935-2003)

Com 87 anos, o cineasta William Friedkin se despede do mundo com um catálogo irrepreensível de obras-primas – do terror ao drama, da aventura a ação – e deixa algumas das melhores histórias do cinema como seu legado. Sua forma de contar histórias era o cinema. Ele deixa várias e, o melhor de tudo, para sempre – além da vida.

Continue lendo >
Críticas

O Mestre da Fumaça tem sessão única em Florianópolis, provoca debate sobre maconha e marca a primeira semana de agosto na Capital

Um roteiro curioso marcou o final de quarta-feira, 2 de agosto, no Villa Romana Shopping, no Cinesystem. Vivendo dia de cineclube, a rede recebeu o filme nacional O Mestre da Fumaça, dirigido pela dupla de diretores estreantes André Sigwalt e Augusto Soares, que gira em torno de uma família de lutadores de Kung Fu amaldiçoada pela máfia chinesa. O filme mistura arte marcial com comédia e o uso da cannabis de maneira espiritual. Logo depois do filme, a Lança Filmes, a Ablaflor e a Santa Cannabis realizaram debate sobre efeitos da cannabis na saúde física e mental. A sessão foi única e exclusiva.

Continue lendo >

Deixe o seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *