Há uma natureza romântica, poética e grunge na mitologia do vampirismo que é instigante. É proveniente dos grandes autores, tais como Bram Stoker, Anne Rice, que celebram esse misticismo com pitadas de humor gótico transcendentes e apaixonantes. A maneira como visualizamos os vampiros através dos tempos foi, portanto, mais apaixonada e calorosa, algo que rendeu inúmeros romances teens que discorriam sobre o amor proibido. Uma tragédia shakespeariana com mortos-vivos. Mas como seria a ótica vampírica acerca dos humanos? Como ele veriam nossa raça? Com empatia, compaixão, inveja ou profundo desprezo?
A melancolia de Amantes Eternos, obra-prima de Jim Jarmusch, percorre essas dúvidas com uma profundidade fantástica, que reproduz um tom sinistro, intenso e constantemente suicida. Como se a imortalidade fosse um intragável fardo, Adam (e é inteligente a construção semântica dos nomes, os primeiros do mundo) se arrasta pelo cenário com a dor que só alguém que já viveu muito poderia carregar. A idade não está na aparência, mas nas ações, semblante e experiência de cada um deles. (Eve chega a falar em determinado instante, ao olhar uma foto antiga do terceiro casamento, que eles pareciam tão distantes e tão jovens.) Ambos ainda se completam, ainda assim, e necessitam um do outro: como nos aponta a quase delirante e entorpecida sequência inicial, com a volta do vinil transfigurando-se na relação de cumplicidade dos dois, partes de um mesmo ciclo.
Jarmusch sabe o poder da mitologia que tem em mãos, jamais a desperdiçando com tramas explicativas, tampouco de apresentação. Sabemos o bastante. As palavras, para quem já se conhecem há literais séculos, tornam-se somente mais uma troca pontual de sopros de existência. Não são desperdiçadas. É maravilhoso, igualmente, as citações de poetas, dramaturgos e evolucionistas que se encaixam tão bem na ótica pessimista, mas influente, que o cineasta expõe na narrativa: vampiros, além de tudo, também sonham. Ainda que sejam associações abstratas.
E qual o panorama mais imprevisível, instável e triste para o anonimato “violento” de duas pessoas que não pertencem a lugar algum? A Detroit de Jarmusch; que serve perfeitamente para denunciar criticamente o caos presente numa das cidades mais populares dos EUA, bem como compor os cenários depressivos de seus protagonistas. Sentimos cada acorde da guitarra de Adam soar como se pertencesse àquela realidade, do mesmo modo que o som de um violino agonizante nos enfeitiça por ser tão abrangente – afinal, a solidão é intransigente. E quando ela é bruscamente freada pela presença de uma “mocidade” nada bem-vinda, o vício da dor retorna. A dor de não estar vivo, mas ainda andar. Sem destino.