Há quem diga que o found footage está fadado ao fracasso. Não concordo. Além das franquias que estão tentando estabilizar o subgênero como algo específico para segmentos (e cito os ABCs da Morte, VHS’s e outros tantos) e outros diretores que almejam uma veia bem mais autoral (como é O Sacramento, de Ti West), muito se confunde dois subgêneros, que, é bom deixar claro, não necessariamente andam de mãos dadas: mockumentary e found footage.
Hoje em dia, o segundo é muito mais usado que o primeiro, já que a montagem pode brincar com a estrutura narrativa, realizando cortes pontuais em momentos chaves e, assim, aumentar a tensão. O grande problema é que se torna previsível e naturalmente inverossímil – esses tipos de edições. A não ser que algum dia assista a um found footage que realmente deixe de mostrar mortes porque, bem, a câmera falhou no momento e pela primeira vez não permitiu que certo personagem, que será o penúltimo a morrer (sempre teremos a final girl, não esqueçam), não tenha conseguido filmar com precisão um braço sendo decepado ou alguém se chocando contra uma parede.
De qualquer forma, o found footage é especificamente sobre câmeras encontradas que contém as filmagens as quais assistiremos pelas próximas horas. Mockumentary é a ação ocorrendo em tempo real, sem cortes. Esta seria uma comparação mais coloquial, digamos assim, mas que serve para a definição. Em 2014, por exemplo, alguns filmes tentaram somar o found footage com uma trama que não fosse limitada pelo uso das câmeras subjetivas, ainda que sejam as principais protagonistas. O exemplo é Evidências, filme que usa as fitas como ponto de partida para uma investigação policial baseada nesses equipamentos apreendidos na cena de um crime. Não funciona, mas é uma tentativa inusitada. Assim Na Terra Como No Inferno, igualmente, leva-nos para os temores dos personagens e uma claustrofobia crescente, mas sem o talento para isso. Longas que buscam, claro, algo mais comercial tentando encontrar personalidade.
Já o mockumentary sempre foi um subgênero que extraía mais sensibilidade por seu alto grau de credibilidade. Eu gosto muito de Willow Creek, por isto: a obsessão com a continuidade é tão intrínseca ao desenvolvimento da narrativa, que rende automaticamente uma empatia imensa com pessoas que parecemos conhecer há anos. É a mesma essência de A Bruxa de Blair e, em menor escala, Atividade Paranormal 2. E é resultado de outro subgênero que anda ganhando muitos adeptos nos EUA: o mumblegore. O mais clássico exemplar a chegar ao Brasil esse ano foi Você é o Próximo, de Adam Wingard. É o cinema de autor do terror moderno, onde, para não desgastar uma fórmula de estúdio, os diretores amadores fazem seus filmes por valores baixíssimos, produzem com amigos e investem em idiossincrasias para expor uma narrativa abrangente e de apelo crítico. Onde os jovens cineastas buscam espaço e audiência: Ti West, Adam Wingard, Simon Rumley, EL Katz. Um dos melhores desse subgênero foi justamente lançamento de 2014, O Sacramento. Nele, West abraça o contemporâneo e denuncia o assustador fanatismo religioso de uma sociedade isolada, que não por acaso lembra a história de Charles Manson. Na forma de found footage. VHS Viral, outro exemplo de mumblegore, igualmente: as fitas são o caminho escolhido para suas sequências – a da seita satânica é provavelmente a mais interessante.
Passaram-se quase 20 anos de Canibal Holocausto para A Bruxa de Blair. O caminho para desenvolvermos o terror, cada vez mais intimista e violento, é longo e estimulante. Nunca se sabe quando teremos um novo divisor.
(originalmente publicado em 2014, no ClicRbs)